domingo, março 11, 2007

quinta-feira, março 08, 2007

terça-feira, março 06, 2007

Casa grande e senzala

Ele perambulava por toda a fábrica, mas nunca se sabia como é que chegava. Não se sabia porque sua cabeça se inclinava de tal forma que a vista apontava direto ao chão. Conhecia as rachaduras no piso decor. Toda vez que era bipado, colocava o cinto cheio de ferramentas nas quais duas ou três seriam suficientes para todo o trabalho. Não corria. Por maior que fosse o desespero, não corria. Dia desses chegou na máquina, levantou os olhos para o operador e disse:

- O que foi?
- Não sei. Eu tava trabalhando normal aqui e parou do nada. Não funciona porra nenhuma. O Moreira tá puto comigo porque a máquina ficou parada a semana toda. Não dá pra dar um jeito não?
- Eu preciso de um dia. Em um dia eu dou um jeito. Vocês nunca me dão um dia, então que fique quebrando.
- Eu não posso, liga pro Moreira e pede.
- Não vou pedir porra nenhuma, o desgraçado grita até com a mãe.
- Eu vou avisar que a máquina parou então.

Joaquim ficou olhando a máquina. Sabia o que era e precisava de um dia. Voltou ao seu setor e pegou o que era necessário para o trabalho. Quando voltou, topou com o Moreira gritando com o operador:

- Ele não arrumou essa porra ainda?

Ele ficou atrás do Moreira, olhando. O Moreira era um maldito que não entendia nada e por causa disso compensava com rudeza e potência de voz. Mas com o Joaquim ele não gritava, tinha medo do olhar rancoroso do eletricista. Quando o chefe percebeu que Joaquim estava ali, virou gentilmente e perguntou:

- Quanto tempo a máquina vai ficar parada?
- Eu preciso de um dia.
- Um dia? Não tem como dar um jeito? Um dia é muito porra! O seu Alex vai ficar doido. Dá um jeito aí Joaquim. Não dá pra essa máquina ficar parada. Se não der, liga você para o seu Alex e informa.
- Eu vejo se dou um jeito.

Joaquim abaixou a cabeça e seu Moreira saiu resmungando. O operador olhou para ele e disse:

- É Joaquim. A gente precisa de máquina porque senão o cliente reclama.
- Que cliente o caralho! Você é uma porra de um peão, nem sabe o nome do maldito engravatado que encheu o cú do seu chefe de dinheiro. Não fica me falando merda.

O operador ficou resmungando igual ao seu Moreira.
O telefone tocou. era seu Alex. Queria falar com o "rapaz da manutenção".

- Viu, o Moreira me disse que você quer um dia?
- Não precisa mais não seu Alex, eu dei um jeito aqui.
- Ah bom! Eu achei que já ia ter que te internar num manicômio! Já está virando a máquina então?
- Já.
-Ótimo.

Joaquim desligou o telefone, escolheu a chave de fenda que menos usava no seu cinto, cravou a ferramenta no painel da máquina e disse:

- Pode virar agora. Amanhã a gente se vê de novo.

domingo, março 04, 2007

Antes do beat da beata

Não segure muito seus instintos
Porque isso não é natural
Saluceie para acordar um grito forte
Quando queira gritar
É saudável, relaxante, recupera
E faz bem a cabeça
Por isso canta, dança, grita

Vá em frente entre numa boa
Não controle, não domine, não modele
Tudo isso faz muito mal
Deixe que a mente se relaxa
Faça o que mandar o coração
Por isso canta, dança, grita

Chega de fugir, de se esconder
E de deixar a vida pra depois
Como se tivesse o tempo inteiro
O tempo corre nada vai te esperar
Entra de cabeça nos seus sonhos
Só assim você vai ser feliz
Por isso canta, dança, grita

Não se reprima
Pode gritar

(Menudos, em Não se reprima)

quinta-feira, março 01, 2007

Os passos da menina apertaram-se. Hoje escurecera cedo.
Pela manhã a garota se vestira com uma malha de ginástica e pusera seu boné cor de rosa na cabeça.
Estava pronta, com sua bicicleta nos braços esperando pelo pai. Ouviu uma buzina. Espiou pela janela da sala num pulo, despediu-se da mãe. Seu pai havia chegado. Os dois tinham combinado um passeio no parque. O homem, que já beirava os 40, não acreditava como sua menininha estava se tornando uma bela moça. "Treze anos". Os cabelos bem compridos e amarrados pelo vão do boné, já não eram os mesmos que o pai costumava acariciar, no colo, anos atrás.
Desde que se separaram, o pai via esses momentos de prazer e diversão ao lado da menina rerearem-se com o passar dos dias.
Àquela manhã foi inesquecível. E o almoço foi o momento onde colocaram o papo em dia. Para orgulho do pai, a menina ia muito bem na escola. Fora chamada até mesmo para presidir um grupo de estudos. Hoje haveria uma das reuniões, na casa de uma das colegas.
O pai não pudera esconder que ficara chateado, mas entendia que alguns compromissos só deixavam a filha mais responsável e preparada para as dificuldades da vida.
Depois daquele almoço, onde abrira mão de encontrar-se com a filha, o pai levou-a ao prédio onde morava a colega. Despediram-se com um beijo doce, como só havia entre um pai e sua filha.
Os passos da menina apertaram-se. Hoje escurecera mais cedo.
Atrás dela, andava um homem, que jamais fora pai nem tivera um. Alguém que sequer imaginou o tamanho da dor que causou e outro pai, aquele que andou no parque, almoçou e beijou sua filha pela última vez naquele dia.

Perdoando Deus

Enquanto eu inventar Deus, ele não existe.

(Clarice Lispector, em Felicidade Clandestina)