sábado, fevereiro 24, 2007

Quem tem medo do lobo mau?

O fato é:
se na minha casa há muros altos e portões fechados
se na minha rua as pessoas entram às onze da noite
se no meu bairro os vigias noturnos patrulham e despatrulham
se na minha cidade há mais condomínios fechados que favelas
se no meu estado dizem que o marcola é o governador
se no meu país o presidente diz "terroristas!"

não seria porque o Willian Bonner tem mais medo do lobo mau que qualquer um aqui?

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Com que roupa eu vou pro samba?

Se forem fazer sexo,
seguro é vestir camisinha.
As fantasias são opcionais.

Beijo pra quem é de beijo,
abraço pra quem é de abraço,
se cuidem e boa folia!

"Ô abre alas que eu quero passar
Eu sou da lira não posso negar
Rosa de ouro é quem vai ganhar"

(Chiquinha Gonzaga, em Ô abre alas)

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

quem era foda

quem era foda, se fudi
~móveis coloniais de acajú, e agora gregório?

como pode?

Mas como pode um ser humano sentir-se só no meio de um mundo desses? - era o que se perguntava. Mas antes, levantara-se naquele dia comum como qualquer dia de seu cotidiano repetitivo e rotineiro de forma preguiçosa e mal-humorada, mijara, lavara-se, vestira-se, partira-se, balbuciando ofensas impronunciáveis num texto deste tipo de circulação, enfim, não deixava de cumprir seu procedimento operacional padrão de acordar. O dia nascera semi-banal, desses que prometem não prover o cotidiano de absolutamente nada diferente que possa atrapalhar essa maravilha da sabedoria humana a que se convencionou chamar de rotina. Mas como dizíamos, teve inclusive seu costumeiro devaneio sonífero em pleno ônibus atrapalhado por uma pequena confusão entre sonolentos senhores e garotos empolgados, e não pôde completar o raciocínio e entender como podia um ser humano sentir-se só naquele tipo de situação: encontrava-se dentro de um meio de transporte coletivo lotado, o que aproximava muito as pessoas, até demais, arriscar-se-ia a dizer, e que além de tudo, viajavam seguindo um objetivo comum, mesmo que não fossem ao mesmo lugar, ou em busca da mesma quantia, todos ali compartilhavam do âmbito comum de comparecer como era dever de cada um ao seu emprego ou qualquer outra forma de ganha-pão que se freqüentasse por aquelas paradas, e pertenciam mais ou menos à mesma classe social. Todos ali eram, portanto, companheiros em potencial, possíveis amigos até, e alguns expoentes de simpatia extremamente desenvolvida realmente demonstravam ser isso uma verdade, mas ainda assim uma barreira mística os impedia de se relacionar, como se a vida comum fosse apenas um desvio de caminho a que todos infelizmente eram obrigados a se sujeitar, como se as pessoas às suas voltas fossem apenas companhias descartáveis que forneciam uma pseudo-confortável sensação de união. E como podia um ser humano sentir-se só? Não sabia.

Monstros S.A.

Já fizeram tanta coisa por aí que hoje se faz errado mesmo sabendo, também acontece de fazer certo não sabendo. É verdade que não por aventura, desafio, talvez sim por esse jeito fácil de sobreviver. Porque viver não é brincadeira não. E já que ética virou uma tática para cada um, podemos ter moral ou não ao piscar os olhos. Assim construímos monstros e semideuses, e assustados se estamos errados sabendo, ou certos não sabendo, chamamos isso ou aquilo de monstruosidade.

domingo, fevereiro 11, 2007

Monstruosidade?

Sabia que era errado mas fez. Fez não por desafio, por aventura. Fez porque era o jeito fácil de fazer e sobreviver. Mesmo fazendo o que era errado, sabia que não era tão errado quanto tanta coisa que já fizeram por aí. Também havia ali uma moral a ser seguida e que, não obstante, muita gente acabava seguindo.
Mas o problema foi que durante o pequeno erro, piscou-se o olho e outro pior aconteceu. Aquilo até para ele era errado demais. Tão errado foi que chamou-se aquilo de monstruosidade.
De um erro a outro basta um piscar de olhos. A gente se assusta, mas é exatamente disso que todos somos capazes; sem intenção, é claro.

Os rascunhos libertinos foram atualizados.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

O mundo é bão, Sebastião

Vou fazer um comentário social e espiritual. Da brutalidade, o menino João e também os jovens bárbaros são vítimas. Um comentário humano seria diferente, pela dor de todas as pessoas ao perceberem tamanha monstruosidade de nossa vida miserável.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Se eu pudesse ter saudade

Ah! Se eu pudesse ter saudade
Saudaria a aurora
Amélia de verdade
Saudaria toda jovem guarda
Que os anos já não guardam mais

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia?
É tanta correria
Que eu não posso ter saudade

Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar
O saldo não valoriza
Mas saudade até daria

Ah! Se eu pudesse ter saudade
Eu saudaria!

(se eu pudesse ter saudade, samba pra burro meu)

domingo, fevereiro 04, 2007

Apertara com o indicador o botão do acendedor elétrico, magnífico dínamo criador da faísca necessária ao acendimento da chama branda do fogão antigo. Punha agora três colheres rasas de açúcar cristal à água, e mexia, deixando-a com um aspecto esbranquiçado, que fazer se assim é que apreciavam o café na casa, doce, muito doce, com a fervura viria a dissolver-se o açúcar e logo mais pareceria a água doce e fervida com uma água qualquer, só a denunciando as bolhas da fervura nas bordas da leiteira.

Enquanto tombava a água quente ao filtro com o pó negro, com a alta temperatura da água chiando alto ao encontrar as superfícies ainda frias da parte superior da leiteira, tentava enumerar tudo o que teria de fazer na seqüência. Enquanto filtrava o café, calçaria as chinelas e iria até à padaria buscar alguns poucos pães frescos, então acordaria o marido que resmungaria um bom dia e se arrastaria até o banheiro para lavar-se, passara há muito o tempo em que já acordavam se amando, sem saber direito distinguir do momento em que se amaram, dormiram, sonharam ou despertavam, agora era mesmo assim, um grunhido que significava bom dia, um beijinho que nem bem barulho fazia de boa noite; enquanto lavava-se o homem, comeria sua parte dos pães, a qual era muito pouca, porque mulher, e de meia idade, preocupava-se em não engordar muito, mais um pouco que o fizesse e o marido nem beijo de boa noite lhe daria, e o fazia sem nem pensar na barriga cada vez maior do homem, ultimamente dado aos prazeres de boteco, de conversa fiada, jogatina e cachaça, que fazer se era homem, e de meia-idade, já lhe acinzentavam na cabeça os cabelos que restavam, e trazia as mãos de muito calejadas. Depois de lavado o homem, o que não demorava muito visto que nem bem a barba fazia mais com a mesma freqüência dantes, da época em que usava um exuberante bigode, coisa que já caíra da moda, enquanto este comia a sua parte dos pães com o café que então já estaria todo coado, acordava as crianças, as quais já não o eram, mas assim insistia e chamar-lhes, acordem crianças, vejam se não perdem a hora, vamos, e era a estes que cabia dizer, ao levantar, bom dia, mãe, bom dia pai, a que ela respondia entusiasmada já há tantos e tantos anos com um belo sorriso na face e este respondia com o mesmo grunhido com que cumprimentava a mulher.

Haveria, então, de arrumar-lhes as camas, enquanto um se banhava e o outro comia, revezando-se assim os dois, o mais jovem geralmente o primeiro a comer, provavelmente por isso vinha assim se afeiçoando mais ao pai do que a outra, que primeiro costumava banhar-se e já ia à alta adolescência, idade em que pouco nos interessam os mais velhos, em especial os pais. Também ao noticiário da manhã não costumava atrapalhar, por também interessar-se, aos poucos, pelas informações que lhe dava, diferente do mais novo, que o considerava como tão somente um atraso aos desenhos animados, que em época de aulas não podia assistir, e assim ainda incomodava o pai, que andava cada vez menos interessado aos noticiários que, segundo ele, só falavam de desgraças, e conversavam nesse horário, entre o acordar e o banhar-se da filha mais velha, enquanto comiam e viam ao jornal.

Depois que comessem, e se banhasse o pequeno, o pai os levaria de carro às escolas, e rumaria ao trabalho, enquanto ela tiraria a mesa, primeiro os copos, a margarina, o pão que sobrasse, e então as migalhas, a toalha. Depois lavaria os copos, as facas, as colheres, tomaria um copo de café e guardaria o resto numa garrafa térmica, sentaria-se à frente da tevê para ver um pouco do programa de culinária mas logo se fiaria a limpar a casa. Limparia a cozinha, ou a sala, que logo precisaria fazer o almoço, chegariam os filhos e depois o marido, comeriam e logo mais o marido se retirava, precisava ficar também atenta ao horário, que às vezes se esticava este na frente da tevê e cochilava, não podia perder o horário de volta, os filhos rotina não tinham, cada dia era uma coisa, mãe vou ao shopping com as meninas, mãe vou jogar bola com os meninos, as vezes ficava o mais novo a jogar videogame e a menina a ler revistas na sala.

sábado, fevereiro 03, 2007

Ponto final

Já fazem duas noites que não durmo direito. Não sei se é o calor ou o novo colchão. Durmo mal e acordo cedo. Todos os dias, de segunda à sexta.
Trabalho na cidade vizinha porque aqui não tem oportunidade. Falta vaga, o salário é baixo e esse emprego veio a calhar.
Pego o ônibus às 6h20min. Para isso, acordo às 5h. Quando mato o banho, levanto às 5h30min. De tanto ir e vir já conheço motorista, cobrador, passageiros. Destes não sei o nome, porque também não sou de conversa.
Entro e sento sempre na 31. Treze é meu número de sorte, mas há quem diga que é mau agouro. Então optei pelo 31.
Muitas vezes durmo. Noutras tantas só finjo. Quando o sono não vem começo o paciente serviço de observação.
Não, não observo a paisagem. Observo as pessoas. E hoje, justamente hoje, apareceu um passageiro incomum.
Não era comum somente porque não se portava como a maioria. Não dormiu. Não leu. Não usou seu MP3 player (tecnomordenice, que aderi com custo).
Voltando ao passageiro-personagem, é bom lembrar que se tratava de um homem. Vestia branco: bermuda, camiseta e meias. Calçava tênis. Ia sentado na poltrona do corredor, com uma sacola na mão.
Logo atrás de mim, vinha um sujeito do tipo “chato” e inconveniente. Enquanto observava o outro, este berrava no celular.
Fechei a revista que lia. Não conseguia me concentrar. Era o falatório de trás e a figura sentada no banco do corredor.
Quando a conversa ao telefone acabou, alguém continuava falando. O sujeito do corredor mudara-se para a janela e conversava sozinho. Esforcei-me para ouvir, mas nada compreendia daquele diálogo. Mas o rapaz conversava. Em seus braços e pernas haviam marcar vermelhas, purulentas e feridas. Ele se coçava. Ergueu até mesmo a camiseta branca para coçar a barriga. Houve festa de pernilongos nas noites passadas. Ou queria acreditar que assim havia sido.
Pensei com meus botões: “de onde esse sujeito apareceu?”. E também “para onde ele está indo?”.
Fato é que jamais saberei a resposta. E assim acontece todos os dias, sempre que chego no ponto final.