terça-feira, novembro 18, 2008

Lembro-me bem da primeira vez.

Era uma tarde rasa e alaranjada

Que deixava mesmo a pele mais escura enrubescida

A pele

A pele já bastante ferida pelas pancadas da vida

A pele já desgastada pelo tic-tac falso de relógios digitais com Water Resistance.


As feridas da pele

O desgaste da pele

Mas não há motivos para perder versos com isso

Já que há plaquetas que fecham feridas e

baterias que se acabam e fazem o tempo parar.

Estou aqui para falar da primeira vez.

Mas a merda é que isso me acomete sempre

Sempre que penso na primeira vez.

Talvez porque seja eu um hemofílico

com um relógio de corda herdado de meu avô.

Quando o tempo parava e eu tentava correr para recuperá-lo

o pulsar irritante de Chronos tornava com o balançar de meus braços

e o sangue jorrava outra vez


E foi com tal sangue condensado no céu
que aquela tarde ganhou esse tom.
E foi pela primeira vez com o corpo jogado ao chão
que estendi minhas mãos
E ao invés de um puxão amigo
foram duas moedas que recebi.

Não pedi moedas.

Moedas não estancam sangue

Nem fazem retroceder os segundos

os minutos

as horas

Não pedi uma, sequer duas moedas.

Talvez meu corpo

Seja tão à prova d'água

quanto o relógio que carrego no pulso

Talvez meu corpo embace

como o vidro do relógio

E, no fim, tudo o que se poderá ver

é o brilho reluzente do vil metal.

terça-feira, outubro 21, 2008

                                                                     



1111100000000000111
111000000000000000000000000011
10000000000000000000000000010000001
11000000000000000000000000000000110000001
100000000000000000000000000000000000000000000
00000000000000000000000000000000000000000000000
0000000000000000000000000000000000000000000000000
00000000000000000000000000000000000000000000000000
1000000000000000000000000000000000000111111100011100
0000000000000000000000000000000011 1 1
000000000000000000000000000000001
00000000000000000000000000000000
000000000000000000000000000000000
000000000000000000000000000000000
1000000000000000000000000000000001
100000000000010000000000000000000
00000000000 1 0000000000000000 1111000011111 100
0000000000 110000000000001 100000000000000 00011
100000000 111000000000001 11111100000100 0001
000000001 101 100000001 110011111111 111
10000000000 110 100000011 111
100000000000 1 10000001
00 0000001 111000000
11 000000 1000000 1
001 0011 00000001 011111111
101 1 1 00000000100 1 11 1000001
100 11 100000000000011 11 100000
001 1 1000000000000101 1 11000110
100 11 100000000000 00111 1100000000001 10
1001 1 00000000000000000000000000000111001
1 000 1 00000000000000000000001 11001
1000 11 000000000000000000011 001 101
0000 1 00000000000000001 1100111 01
10000 1 000000000000000 100
110001 10000000000001 11001
1000 1 1 1000000000000 1001
1100 1 1000000000001 110001 000
100010110000000000001 101 0000
10000001100000000000 11 10 10000
1000000100000000001 1 10 111 0000001
100000010000000001 1 1 1 100000001
10000011000000000 100000000
100000100000000 100000000
1000010000000 000000001
00010000000 000000001
00010000001 000000000
0011000001 0000000001
01 000000 0000000001
110000001 00000000001
000000000 0000000000
1010000000 10000000000
100001 00000000000
100001 10000000011
100000110000001
110000111

quinta-feira, outubro 09, 2008

Sinais de Idade

Hoje descobri que tenho pêlos no nariz e isso para mim é sinal de idade. Lembro como ficava impressionado com alguns dos mais antigos clientes do meu antigo barbeiro, ao qual meu pai me levava quando criança: eram velhos italianos com enormes chumaços de pêlos saindo das narinas e orelhas, as quais o profissional habilmente aparava com um só golpe de tesoura; também o barbeiro os tinha. Descobri que tenho pêlos no nariz fazendo uma careta na frente do espelho, faz-se um bico apontado lá para baixo, como quem quer beijar o próprio queixo, e empina-se a cabeça para trás: no espelho aparece um pouco das paredes internas das ventas, apesar do espaço pouco que são as minhas pequenas narinas, minúsculas aberturas num nariz tão grande, negras como nunca vi igual. Nelas estavam os pêlos, pêlos curtos e finos, escassos, nem se nota se não fizer essa careta, mas que os há, os há, já me disseram antes, teu nariz tem pêlos, mas eu não acreditava, nunca os tinha visto antes, agora sei que os tenho, e isso para mim é sinal de idade. A idade vem me deixando uma ruga única, de um lado só da testa, acima da sobrancelha, como uma sobrancelha mímica fazendo-se sombra da outra, logo abaixo; além de umas rugas que aparecem muito de quando em vez, em raras ocasiões de um sorriso muito sincero, daqueles que nos fecham os olhos, aí aparecem no canto dos mesmos, as quais eu julgo até que bastante charmosas, mas dessas ninguém nunca falou, foi fazendo caretas no espelho que as descobri sozinho.

Fisicamente a idade nunca me incomodou, nunca senti aquela nostalgia vaidosa dos tempos de criança, mesmo porque a mim parece que a beleza vem com o tempo, talvez seja mais o costume cada vez maior de conviver comigo mesmo, e tenho certeza que passada certa idade pensarei no contrário; mas a idade só me incomoda mesmo na cabeça, por saber que traz cada vez mais responsabilidades e aquele tempo bom de criança, de bagunça, esse passou e não volta mais; incomodei-me mesmo quando, dias atrás, reencontrei um amigo que há muito tempo não via, e no vaivém da conversa, uma conversa daquelas de amigos que não se vêem há tempos, como vais, quem tens feito, e tu, aquele silêncio que indica o momento de uma breve troca de números, por favor telefone, eu preciso beber alguma coisa rapidamente, eu prometo não esqueço, por favor não esqueça, não esqueça, adeus, tudo de bom, lembranças à família, descobri então que tinha ele se casado, e eu me julgo ainda muito jovem para isso. Me disse: "A vida de um indivíduo quando a dois é mais fácil, mas a vida a dois, para um indivíduo, é muito difícil." Perguntei o que significava e ele disse para deixar para lá, trocamos números e fomos cada um para seu canto com a promessa de um dia tomar uma cerveja juntos. Hoje sei que ainda não o fizemos porque uma só cerveja não nos daria e também à sua mulher incomoda a idéia de vê-lo por aí bebendo com amigos.

Foi vê-lo casado que me vez pensar na idade; tomando por referencial a precocidade daquele prematuro matrimônio que o impedia de tomar cervejas com amigos, minha já retardada imaturidade parecia anacrônica, e senti-me perdido no tempo; contudo sei que não estou nem estava velho, eles é que são jovens demais, mas os pêlos não mentem – e sei muito bem que velho não estou, mas só agora, passados vinte e tantos anos de vida, é que vim a tomar consciência de que a idade vem, aos poucos, lenta e ininterruptamente. Ainda demora para me alcançar, por certo, mas que já deixa marcas, já as deixa. Como pêlos nas narinas e uma ruga única na testa, por certo que não me tardo a perder uns cabelos.

A vida toda vivi com gente mais velha que eu. Assim, nunca tive muita amizade, nem com meus primos, os quais eu via muito pouco, nem com meus tios, e nem com colegas de trabalho, para me sentir velho como eles, ou sob a proteção de pessoas mais velhas; tampouco me sentia confortável com os de minha idade, na escola, viva meio período com suas brincadeiras e o dia todo com as dos adultos, estas sim, muito mais maldosas e divertidas. Por isso não sei bem a que associo a idade, e os pêlos me parecem tão somente trazê-la, sem com ela trazer nenhum significado especial. Não a associo à responsabilidade, mas esta à necessidade; nem com maturidade, que para mim é como a clareza das crianças; nem com imaturidade, que é a dureza: fruto da experiência. Não sei se é a idade quem traz a experiência, ou a experiência quem traz a idade; mas, visto que o tempo passa, acho difícil evitar que venham as duas, talvez a experiência, mas nunca a idade.

(inverno, 2007)

sexta-feira, setembro 26, 2008

MEMORÁVEL DESCRIÇÃO DO DIA EM QUE UM RESPONSÁVEL TRABALHADOR QUE LEVANTA TODOS OS DIAS MUITO CEDO A FIM DE IR AO SERVIÇO TEVE VONTADE DE NÃO SE LEVANTAR

Acordou e sentiu que seria aquele mais um dia comum em sua vidinha banal. Era demasiado cedo, escuro ainda, imaginem, nem o Sol que é o Sol havia ainda nascido direito, sendo que é ele quem deveria nos despertar por ser o único que sempre acorda e se levanta mais ou menos à mesma hora. Sua vontade era não levantar. Queria ficar ali, simplesmente  ficar, não havia qualquer atrativo naquela velha cama, infelizmente nenhuma companhia senão os cupins na madeira barulhenta e os ácaros no velho colchão, pulgas não, que deus nos livre a todos porque é um bicho que de um se passa a milhão, nem mulher, o que era pena mas a vida era assim. Enfim, nem muito confortável era a cama, mas ainda era uma cama e a idéia de dormir se fazia sentir como mais do que simplesmente agradável, mas inegável. Tudo parecia conspirar para isso: era uma manhã dessas confortáveis, que debaixo das cobertas fica mais do que perfeita, o corpo ainda cansado e preguiçoso, os ácaros também dormiam, acho, e os cupins, nem barulho a cama fazia, os vizinhos ainda não haviam se levantado e nem na rua passava ninguém que o pudesse incomodar, nem o Sol se levantara ainda, como já se disse, no fim das contas apenas o rádio relógio que ainda gritava seu urro rouco, ao mesmo tempo intermitente e constante, uh uh uh uh uh uh, sem parar, ah bons eram os tempos dos despertadores de corda, uma hora lhes acabava a mesma e eles se calavam enfim.
Tinha poucos instantes para decidir. Levantar-se ou não? e isso lá era pergunta que se faça? Afinal de contas era trabalhador e tinha responsabilidades, não muitas, nem grandes, nem com ninguém a não ser si mesmo, afinal, seu ofício nem era tão urgente assim que fosse prejudicar alguém além do patrão, e mesmo esse só um pouco. Nem o Sol se levantara! Disse para si mesmo que ninguém deveria ter de levantar antes do Sol, ninguém, e se lembrou no ato das pessoas com quem cruzava diariamente ainda antes de este último ter nascido, das pessoas com quem, por força das rotinas comuns, compartilhava o vislumbre da alvorada, e sentiu-se meio que responsável para com elas a se levantar. Mas será que nenhuma daquelas pessoas sentia vontade de dormir um pouco mais? Alguém precisava tomar uma atitude! Desligar o despertador, puxar as cobertas sobre as orelhas, afundar o nariz no travesseiro e dormir...
Já começava a cochilar novamente quando o rádio relógio voltou a gritar, exercendo a moderníssima e brilhante função que nos dá mais cinco ou dez minutos de sono, depende do modelo do aparelho, ao se apertar um botão. Parecia dizer "acorde, acorde, levante ou me desligue, mas antes decida", pois é, o seu corpo já o obrigava a dormir e nem terminara de se decidir racionalmente se devia ou não acordar, aliás, acordar, não, levantar da cama, ou melhor, terminar de acordar.
Enfim, por que levantar? Para trabalhar, é claro, aliás, levantar agora para se lavar comer vestir sair e pegar a condução, a primeira de três, três ônibus, enfim, é trajeto talvez não tão longo quanto demorado, e só depois, então com o traseiro já todo dolorido de viajar sentado, ou com dor nas pernas e braços de viajar em pé, só depois picar o cartão de ponto e começar a trabalhar. E para que trabalhar? Para se sustentar, para ganhar o dinheiro, para pagar a comida, o aluguel, as contas d'água, telefone, força, as bebidas, as sinucas, o vigia noturno, as roupas, os livros, revistas, cedês, a pensão do filho criado pela ex-mulher, os remédios, seus e de seu pai, já velhinho, enfim, trabalhar para sustentar cada dia comum de sua vidinha banal. Trabalhar para sustentar cada dia comum, incomum, excitante ou entediante de sua vidinha banal, e da do patrão. E o Sol dormindo, e a cama chamando, "venha, venha, venha"... Muitas vezes teve de desligar a brilhante função de cinco ou dez minutos mais a serem dormidos antes de se decidir a levantar. Muitas vezes, mais de seis. Pelas minhas contas, teve um atraso entre meia e uma hora, talvez mais, até que se decidiu a levantar. Já o Sol ameaçava acordar, já os ônibus rodavam, já não tinha tempo de comer, lavara-se mais ou menos, com muita pressa, vestira-se então mais apressado ainda, saiu com as calças às mãos, ainda fechando o cinto, a camisa vazando por cima da cintura, uma mancha de café na manga, um pão velho duro amanhecido enfiado na boca, olhando o relógio no pulso, rezando pela desgraça de tantas pessoas para que se atrasasse o coletivo com todas elas dentro de forma que pudesse ele, o único que tivera suas dúvidas ao acordar, chegar a tempo no trabalho. A tempo de quê? De trabalhar, para sustentar cada dia comum de sua vidinha banal.
É lógico que acabou se atrasando.

terça-feira, setembro 02, 2008

cerveja (bukowski, charles. beer)

CERVEJA

Não sei quantas garrafas de cerveja
consumi enquanto esperava as coisas
melhorarem
não sei quanto vinho e uísque
e cerveja
principalmente cerveja
consumi depois de
trepar com mulheres --
esperando o telefone tocar
esperando o som de passos
e o telefone tocar
esperando o som de passos,
e o telefone nunca toca
até bem depois
e os sons de passos nunca chegam
até bem depois
quando meu estômago está subindo
até a minha boca
elas chegam frescas como flores de primavera:
"o que diabos você fez a si mesmo?
vai levar 3 dias até você poder me foder!"

a fêmea é durável
ela vive sete anos e meio a mais
que o macho, e bebe muito pouca cerveja
pois sabe que é ruim para a imagem.

enquanto ficamos malucos
elas estão por aí
dançando e rindo
com cowboys excitados

bem, há a cerveja
sacos e mais sacos de garrafas vazias
e quando você puxa uma
a garrafa cai pelo fundo molhado
do saco de papel
rolando
quebrando
expelindo cinzas molhadas
e cerveja estragada
ou os sacos caem às 4 a.m.
na madrugada
fazendo o único som em sua vida.

cerveja
rios e mares de cerveja
o rádio tocando canções de amor
enquanto o telefone continua em silêncio
e as paredes imóveis
retas de cima a baixo
e a cerveja é tudo o que há.

sábado, julho 19, 2008

O amor dinamita a ponte e manda o amante passar*

Não me importaria se não tivesse visto,
entristece ver e não querer olhar.
Há olhares que dizem mais do que vêem...
E o que dizem os não olhares?

*O avesso das coisas, Aforismos. Carlos Drummond.

sexta-feira, junho 13, 2008

panasonic (bukowski, charles. panasonic. 1977)

panasonic

ainda não matei todas as baratas deste lugar
mas quase todas. sobraram duas que
eu não consigo. elas sentam-se dentro da cober-
tura plástica do meu rádio, Solid-State FM-AM, elas sentam-se
dentro onde o indicador vermelho seleciona as estações
quando giro o botão. Eu só ouço FM em duas
estações, KUSC e KFAC, nessa ordem. as duas são
estações de música clássica.

são baratas cultas, estas. elas ouviram a Nona de
Beethoven noite passada e agora estão ouvindo a Segunda de
Brahms. o que estão comendo eu não sei, mas
elas se sentam muito quietas. só suas antenas se movem
de vez em quando.

este rádio as está mudando. elas até começaram
a se parecer com críticos de música. aqui, por favor, entenda-se
que eu não pretendo ofender as baratas.

advertência (bukowski, charles. notice)

advertência

a solidão
não é
quando
você está
sozinho.

segunda-feira, maio 12, 2008

Culpa

Alguém disse:
"A criança caiu."
"Foi jogada."
"...jogada"
"...criança..."
"..." "..." "..."

Conversas, jornais, revistas: "Uma criança foi jogada...PUNAM os dois culpados..."



Alguém gritou:
"Muitas crianças são mal tratadas, usadas, assassinadas, abandonadas..."

Fez-se o silêncio.


"Shiiiii...nós somos os culpados..."





...

sexta-feira, maio 09, 2008

. . .

Está tudo bem?

Quer que eu passe aí?

Gostaria de conversar?

Nada importante?

Você não quer falar agora?

Eu posso te ver logo mais.

Tudo bem.

Beijo, tchau.

(...)

Nós somos aqueles por quem estivemos esperando ou Do outro lado da linha ou Nunca está tudo bem, mas poderia ficar pelo menos um pouco por mim.

terça-feira, abril 29, 2008

sucesso? (bukowski, charles. success?)

sucesso?
você começa faminto em quartos
baratos
e você termina com
um advogado
pra verificar o seu
contador

faça um poema sobre
isso.

sexta-feira, abril 25, 2008

A Era das Decisões

Prólogo

A primeira decisão ao começar esse texto foi explicar que ele não se refere à Eric Hobsbawm, nem às suas Eras. Ainda é bom ressaltar, prezado leitor, que tal autor não escreveu livros sobre previsão do futuro e sobretudo, não cursou antropologia 3 para ter aulas de cartomancia.
Dito isto, pode-se começar.

A Era das Decisões

Quando se tem 3 anos e uma vontade imensa de ir à escola, não se imagina que esse momento é somente o início de uma série de decisões que deverão ser tomadas dali em diante. A criança, para sua felicidade, não tem responsabilidades e portanto não tem que tomar as decisões mais importantes sozinha. Porém decisões “mais importantes” não são as únicas a serem tomadas. Na infância decide-se com quem brincar, de que brincar, onde brincar. Essa tríade é a base das primeiras decisões e a partir delas é que crescemos para as decisões maiores.
Perto de completar os 10 anos (às vezes antes, às vezes depois) as decisões mudam um pouco de foco. Você decide quem vai ser chamado para o cinema, para o shopping, para o futebol, etc. Decide qual roupa vestir, qual tênis comprar, qual o corte do cabelo. Seus pais decidem que você já pode decidir alguma coisa, mas não tudo, e nasce o adolescente.
O adolescente decide todas “as paradas”. Resolve que vai numa festa (decisão tomada!) e decide os meios que utilizará para convencer seus pais. Chega na festa e decide que vai beber, apesar de não ter idade para isso. Decide que vai fumar: cigarro, maconha, narguilé, apesar de nem saber o que é. Decide quantos(as) vai “pegar”, apesar de sonhar com o príncipe encantado. Só faz bobagem, mas exerce seu direito de decidir sem pensar nas conseqüências.
Essas decisões todas vão sendo tomadas, umas após as outras, sem causar incomodo. Entretanto, num belo dia, você percebe que não é mais bem assim e seus pais não são mais os responsáveis por você. Agora quem toma as grandes decisões é alguém que atende pelo seu nome, mesmo que não esteja preparado. Essa é a chamada Era das Decisões.
Você passou a infância inteira decidindo quem seria quando crescesse. Mas e agora que você cresceu? Decidir quem você é dói. Em mim está doendo.

quinta-feira, abril 24, 2008

meu quarto

havia em meu quarto

algo de imutável

um cheiro que ali impregnou há anos

a mobília tão bem encaixada

em seu devido lugar
o guarda-roupas, a escrivaninha, a cama e a cadeira

tudo num verso só

pois é pouca coisa para se estender em outras linhas

a roupa de cama encardida, os livros amarelos e as roupas

as roupas

que em toda sorte de fotografias já estiveram

e já guardaram seu lugar na história

nada muda ali há anos.

os contornos e traços não se confundem mais

as sombras pontuais

não me saem da memória

não me deixam sair da memória

assim como a esperança pertinente

de um dia explodir aquelas quatro paredes
e mandar tudo pra puta que pariu.

domingo, abril 13, 2008

eu e Faulkner (bukowski, charles. me and Faulkner. Third Lung Review, 1992 [http://bukowski.net/poems/faulkner.php])

eu e Faulkner


claro, eu sei que está cansado de ouvir isso, mas
a maioria repete o mesmo tema muitas vezes, é como
se eles estivessem tentando refinar o que parece tão estranho
e distante e importante para eles, isso é feito por todo mundo
porque todo mundo é de uma diferente classe e forma
e cada um precisa concluir o que vem antes deles
repetidamente porque
esse é seu minúsculo milagre pessoal
seu bocado de sorte

como agora e como antes eu estive lentamente
bebendo este fino vinho tinto e ouvindo a sinfonias após
sinfonias neste rádio preto à minha esquerda

algumas sinfonias lembram-me de certas cidades e certos quartos,
fazem-me entender que certas pessoas agora mortas há muito tempo eram capazes de
violar cemitérios

e armadilhas e jaulas e ossos e pernas

pessoas que romperam com a alegria e a loucura e com
insuperável força

em minúsculos quartos alugados fui surpreendido por milagres

e mesmo agora após décadas de escuta eu ainda sou capaz de ouvir
um novo trabalho nunca antes ouvido que é totalmente
brilhante, um fresco sol incandescente

há incontáveis substratos de nascente surpresa do
firmamento humano

a música possui um fluxo expansivo e infinito de profana
exploração

escritores são confinados aos limites da visão e dos sentimentos sobre a
página enquanto músicos saltam na imensidão irrestrita

agora é só o velho Tchaikowski lamentando e reclamando do seu
jeito através da sinfonia #5
mas é tão bom quanto da primeira vez em que a ouvi

não tenho escutado um de meus favoritos, Eric Coates, por um bom tempo
mas sei que se continuar bebendo o bom tinto e ouvindo,
que ele estará junto

há outros, muitos outros

e então
este é só mais um poema sobre beber e ouvir
música

repetido, certo?

mas olhe para Faulkner, ele não disse apenas a mesma coisa
repetidamente mas disse o mesmo
lugar

então, por favor, deixe-me engrandecer estes gigantes de nossas vidas
mais uma vez: os compositores clássicos de nossos tempos e
do passado

isso manteve a corda longe do meu pescoço

talvez afrouxe
a de vocês

sábado, abril 12, 2008

dester-

Maria Des-
terro, na
chuva
ficou sem a
casa;
salvou a TV, gela-
deira e o me-
nino Ja-
cinto Des-
terro.

segunda-feira, abril 07, 2008

Entre as linhas


Entre as linhas que escrevo há muito mais explícito:

Letras, palavras, frases, significados.

Fica claro o implícito:

Pensamentos, sentimentos guardados.


Entre as linhas do que leio, leio além do que dizem:

Poemas, prosas, contos.

Mensagens secretas que fazem,

Acertam os pingos e os pontos.


De tudo o que existe:

Escrito, lido ou falado.

Entre as linhas persiste:

Um segredo [re]velado.




Saberá você ler entrelinhas, acima e abaixo?

sábado, abril 05, 2008

Ensaio sobre a superação

Não adianta, não há como negar que aqueles ditados populares muitas vezes repetidos por nossos avós estão corretíssimos.

“A primeira impressão é a que fica”

Um vocábulo mais bonito, que sintetiza essa mensagem é SIMPATIA. Você olha para a pessoa e simpatiza ou não com ela. Simpatizar significa ter afeto, afinidades ou sentir-se inclinado por alguém ou alguma coisa. Então, quando sua primeira impressão não é boa, quando você não tem afeto e muito menos afinidades com alguém, não há como ter simpatia, quanto m ais ser simpático.

Muito cuidado agora: simpatia não pode ser confundida com EMPATIA. São duas palavras com um significado muito parecido, sufixos iguais e prefixos bem diferentes. Empatia é uma resposta afetiva, é a capacidade do ser humano de se colocar no lugar do outro.

“Coloque-se no meu lugar”

Empatia é uma inteligência emocional, uma forma de compreender como o outro encara as situações. Quanto à sua dimensão afetiva, a empatia está relacionada à capacidade de experimentar as reações do outro por meio da observação.

“Fazer o bem sem olhar a quem”

Outra capacidade humana (desfrutada por poucos Homo sapiens sapiens) é o ALTRUÍSMO. O filósofo francês Auguste Comte caracteriza-o como conjunto das disposições humanas que inclinam os homens a dedicarem-se aos outros. Eis que surge uma dicotomia em nosso ensaio: como podemos ser empáticos, simpáticos e altruístras ao mesmo tempo?

A resposta é SUPERAÇÃO.

“Tudo vale a pena se alma não é pequena”

Superar-se não é fácil. Implica em anular suas vontades e suas percepções, o que não vale a pena. O poeta nem sempre acerta, já os ditados populares...

“Se conselho fosse bom, não dava, vendia”

quarta-feira, março 26, 2008

Menina









"Tristeza não tem fim
Felicidade sim"

Menina, estão os olhos a marejar?
O doce nos contornos de tua face
Que pacifica a quem te olhar ousasse
Não combina com o salgado mar.


Menina, por que procuras arquejar
Tuas costas aos desconcertos do mundo?
Pois ainda não te conheces a fundo
Para que aos outros possas carregar.


Se quando olhas para o horizonte
E nada vê ali de muito profundo
É, pois, preciso andar além dos montes.


Se cruzares ao acaso um vagabundo
Faz proveito e aprende com a fonte

Como se alegrar diante de um céu imundo.

Beleza

A beleza que reside em ti
não é beleza pura e simples
como um crepúsculo
um bosque
ou um corpo delgado.

Mas é de fineza e verdade tal
como a dor que se sente no tapa
É imperfeita e tortuosa
Vem de obesidade mórbida
e anorexia
de sardas
e cicatrizes profundas
de olheiras
e estrabismo.

A beleza dentro e fora de ti
não é um conceito universal
que reside na ponta de um iceberg
sequer é extremo em oposições binárias.

Consiste na possibilidade que me apraz
de se ter o que moldar e arrumar
(mesmo sabendo que não funcionará)
na imperfeição que te domina.

sábado, março 22, 2008

sexta-feira, março 07, 2008

bukowski, charles. huh?, 1985

ahn?

é
difícil
julgar
um
gênio
por
traição
então
você
o
chama
de louco
e
gerações
de
acadêmicos
escreverão
toneladas
de
páginas

dar
suas
vidas
em
uma
tentativa
de
decifrar
o que
ele
disse

que
foi:

bukowski, charles. self-edit, 1985

auto-edição

com muitos dos poemas
que você escreveu
você precisa aprender a

pegá-los em ambas
as mãos

amassar e estraçalá-
los
juntos

jogá-los na
cesta de lio....


Eu acabo de fazer isso
com quatro poemas (?)
e sinto-me profundamente
limpo e
em
paz.

esta máquina de escrever
dá defeitos
às
vezes.

fico satisfeito por
ser capaz de
reconhecer
isto.

melhor eu descobrir isso
do que
você.

conto de ninar (bukowski, charles. bedtime story, 1992)

conto de ninar

mentira, disse a lesma.
enorme, disse o cágado.
não importa, disse o tigre.
obedeça-me, disse o pai.
obedeça-me, disse o país.
veja-me subindo, disse a samambaia.
isso não importa, disse o tigre.
mentira, disse a lesma.
enorme, disse o cágado.
vou correr, disse o rato
não importa, disse o gato.
vou voar, disse o pardal.
não importa, disse o gato.
obedeça-nos, disse o pai e
o país.
calem-se todos! rugiu o tigre.

a noite caiu.
as luzes se apagaram
e as cidades
arderam em chamas

agora, vá
dormir.

uma questão (bukowski, charles. a question, 1990)

uma questão


dizem que
quando J.D.Salinger encontrou
Ernest Hemingway
nada
inesperado
aconteceu.

foi um
encontro
cordial.

às vezes escritores
podem ser
absolutamente
normais,
até mesmo
gentis.

Nunca encontrei
nenhum
desse
jeito
mas
tenho certeza
que existem

não
existem?

domingo, março 02, 2008

o grande escritor (bukowski, charles. the great writer, 1992)

o grande escritor

eu pensei que tivesse desenvolvido uma esplêndida
misantropia
e tivesse alcançado um profundo
isolamento da humanidade
na parte tardia de sua vida,
eu descobri
em alguma leitura esta noite
que suas mãos tremiam tão
gravemente
que ele simplesmente não queria ser
visto em
público.

outro herói
morto.

sábado, fevereiro 23, 2008

A história do monstruoso Monstro da barriga



Era uma vez como outra vez qualquer, mas somente dessa vez era uma, ou melhor, era um menino. Mas, o que tem o dito menino? Ele não tem, ele tinha e o nome dele não é Dito, é Benedito.
O tal Benedito era levado, levado da breca. Adorava ir a casa da avó, porque lá tinha espaço. Lá ele corria, pulava, subia em árvore e corria atrás das galinhas. Pobres galinhas! E a avó gritava de dentro da casa: “Mas será o Benedito!” E o menino caía na gargalhada.
Tanto brincava, tanto aprontava que o monstruoso Monstro da sua barriga chiava.

GRRRRRRRRRRR

Aí, o Benedito parava. Ficava assustado e calado. Não dava um pio. (Quem piava eram os pintinhos que pouco a pouco saíam do ninho e retomavam suas vidinhas, de cisco em cisco.) E o monstrengo não se acalmava e de novo reclamava:

GRRRRRRRRRRRRRRRRRRR

O menino suava, o coração quase lhe saía pela boca. Bem devagarzinho, um pé depois do outro, o Benedito voltava pra casa da avó. O Monstro ficava nervoso, dava alguns pulos e revirava dentro da barriga do menino.
Até que a avó, desconfiada que ficava com a calmaria no quintal, saía na porta da cozinha e berrava: “Menino, vem logo almoçar!” Então o moleque desembestava e o Monstro se acalmava. Toda vez era assim, bastava o monstro ouvir as palavras: ALMOÇO, JANTA, CAFÉ, LANCHINHO que a roncadeira terminava. Benedito nem acredita na mágica que elas faziam dentro da sua barriga. Podia ser mãe, avó, pai, colega da escola... o bichão silenciava no ato.

Quando Benedito era pequeno, o Monstro, ainda um monstrinho, chiava baixinho e toda hora. Mas o Benedito foi crescendo e o monstruoso Monstro também. Quando o Benedito virou homem o monstro aprendeu a hora certa de se manifestar, só gemia com hora marcada, feito um relógio ponto.
Hoje o Monstro e o Benedito até que convivem bem. A parceria, que dura anos, não vai acabar nunca, o único problema é que o Bendito não cresce mais, já o monstro...

GRHEHERR GRHEHERR

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Filosofia barata

Um garoto está deitado debaixo de uma árvore em sua chácara. É maio e o céu está estrelado. A noite fresca, a lua cheia e toda a magnífica arrumação que a noite armou conseguiram, quase por milagre, fazer com que se esquecesse de assistir, bestializado, à tevê, à alguma novela que não entende ou às notícias de coisas que não se acertam no jornal.
Começa a pensar na violência e no país. Sabe que algo não está certo, impossível não se deparar com injustiças que sofrem muitos no país do futuro, possível é não se importar.
Assim como o céu, sua mente permanece aberta para buscar alguma idéia. A lua logo daria algum caminho para a solução do problema que pensar.
Porque tantos sofrem e poucos se importam? Qual a origem dos problemas? Será a terra o que falta? Num passado muito distante havia terra para todos, mas o mundo cresceu e, por isso faltou? O homem teve que concentrar mais para si. Sim, a terra é muito boa e quanto mais melhor, coronéis que o digam. O homem então inventou sua mais útil obra: o muro! O que é o muro?
Muro é a contenção, vem com ele um portão e uma chave. Ele isola o externo e o interno, e quem tem a chave pode por ele passar. Mas os homens maus também evoluíram, descobriram que muros não seguram por muito tempo. Inventaram as armas. Suas formas e tipos variam, mas têm, todas, o mesmo propósito. Multidões de homens se uniram e formaram etnias. Para grandes etnias, grandes armas! Armas nucleares.
Existem pessoas que acham muros e armas um absurdo, acham que os homens conseguiriam entender suas diferenças sem eles. Enlouqueceram? Inventaram então sanatórios, todos com muros elevados, com portões e celas trancadas e seguranças armados. Com os sanatórios ninguém que ameaçasse as armas e os muros poderia contagiar os outros.
Porque então não dividir? Está louco – pensa o menino – é como perder minha chácara. Existem os que moram debaixo das pontes, mas milagres não ocorreriam, e as divisões nunca seriam justas, nunca. Já ouviu falar da URSS em algum livro esquecido e já viu Cuba na tevê. Bendita tevê.
Talvez matem por puro preconceito. Existem milhares de etnias e milhares de armas nucleares. As etnias representam-se por características diferentes, e às vezes são necessárias medidas para separá-las. Existe um grande muro erguendo-se para separar duas etnias do norte da América e, provavelmente, terão sujeitos armados perto dele.
É isso! O preconceito separa o homem e cria armas e muros. Mas – pergunta o menino - o que seria o preconceito? Surgiu da união do radical “conceito” com o prefixo “pre”, alguém que cria um conceito antes de conhecer. Abomina agora, o menino, o preconceito. Este criou os muros e as armas. Deve ter sido isso!
Nesse momento, um animal começa a observar o menino que se esclarecia. Animais são mais “humanos” que os homens que possuem muros e armas. Quando os animais possuem muros, deixam de ser animais e viram homens, pois isolam-se em locais chamados zoológicos.
Isso! O preconceito criou os muros, as armas e a violência. Tudo faz sentido – exclama o menino.
O animal admira agora essa pessoa transformada. Então resolve se aproximar e cumprimentar o jovem pelo esclarecimento, chega rapidamente até ele, e cutuca a sua mão, o menino rapidamente joga seus olhos sobre a criatura.
Num lapso de segundo, esse animal olha alto para o menino, pensa na descoberta daquele, que poderia transformar o mundo. Idéias incendeiam-se e se transportam por toda a Terra, idéias não vêem os muros.
- Animal asqueroso! Maldita barata!
E esmaga impiedosamente a criatura.

Lucas Valle Mielke