domingo, janeiro 28, 2007

Soneca

Joaquim estava beijando apaixonado aquela por quem tinha amor eterno, mas não sabia. Não sabia porque no meio do beijo um barulho estranho batia-lhe nos ouvidos e ele abria os olhos para ver o que foi. Acontecia pelo menos uma vez por semana, mas Joaquim não se ligava nunca e abria os olhos.
Depois de abertos, seus olhos encontravam o celular vibrando na escrivaninha. Esticava o braço esquerdo buscando o aparelho, alcançava-o e pressionava o botão Soneca. Soneca era uma coisa esplêndida que alguns indíviduos preguiçosos inventaram para lembrá-lo de que ainda havia tempo. Ainda havia tempo e o dispêndio deste ficava à sua disposição. Você poderia voltar a dormir, dar uma trepadinha de dez minutos, ficar se espreguiçando, assistir o noticiário, ler as tirinhas, comer um bombom, dar aquela prazeirosa urinada matinal no inverno ou beijar apaixonado aquela por quem você tem amor eterno. O período destinado à soneca era gasto com o que se queria. Isso tornava aquele tempo ridículo de dez minutos que uma porra de aparelho eletroeletrônico lhe concedia o mais importante do dia.
Mas como desde o princípio (quando ainda era o Verbo e os substantivos nem pensavam em entrar na história) Joaquim era uma besta, seu tempo de soneca era gasto com a tentativa inútil de se lembrar o que acontecera no decorrer da noite. Joaquim não se lembrava nunca e sempre achava que nunca sonhava.

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