sábado, dezembro 23, 2006

No coletivo quase lotado não lhe sobrava lugar no assento a que se referia a passagem. O atraso do ônibus somado ao caos da estação rodoviária já lhe haviam acabado com o humor, de forma que não se sentiria nem um pouco mal de deixar claro ao usurpador o quanto ele podia estar atrapalhando a viagem de todos; o usurpador, uma gordinha, contudo, estava acompanhado, e, pelo visto, de sua companheira - e com um casal de lésbicas é que não ia brigar por um assento.
Sentara-se, então, ao lado dela, que lhe era a pessoa mais familiar ali; haviam já passado uma hora juntos, lado a lado, nas cadeiras do saguão de espera da estação - uma hora sem dizer palavra. São poucos os casais mesmo de longa data que conseguem tal façanha, de ficar tanto tempo em silêncio, simplesmente ali, lado a lado. Sentou-se, então, ao seu lado, sentia-se até que muito bem ali, sentia-se como que confortado por uma presença familiar. Ela também reconhecera-o. Lembrava do moço que ouvia o walkman balançando os pés, num ritmo meio rápido, mas constante, como que um jazz, aquela bateria de leve fazendo sempre a mesma batida, txa-tsii, txa-tsii, txa-tsii.
Ela abriu sua revista, meio que só para folhear, a fim de não dar a entender que o observava. Ele então, virou de lado, pregou nos ouvidos os fones e fingiu dormir a viagem toda.
Ela lia Veja. Ninguém pode ser interessante lendo Veja.

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